Regulatório de Pesquisa Clínica

O Futuro da Pesquisa Clínica: Como Chegar à Entrega de Ensaios de Classe Mundial até 2035

A indústria de biociências encontra-se num momento decisivo: novos mecanismos terapêuticos, modalidades emergentes (como terapias gênicas e celulares), e uma concorrência crescente estão a demandar uma revisão profunda de como ensaios clínicos são desenhados, executados e entregues. McKinsey & Company
O relatório da McKinsey propõe uma visão ambiciosa para o ano 2035: que os ensaios clínicos possam levar metade do tempo, alcançar o dobro de pacientes, com melhor experiência, melhores resultados e custos reduzidos. McKinsey & Company
Este artigo revisita os principais elementos dessa visão, discute os desafios e apresenta o que profissionais regulatórios e operacionais e mesmo leigos devem saber.

Principais forças de mudança

Segundo o relatório, há quatro grandes vetores que estão a remodelar a entrega de ensaios clínicos:

  1. Inovação terapêutica acelerada – Há aumento significativo no número de ensaios fase III, crescimento de modalidades (por exemplo, terapias gênicas, células, combinação de alvos) McKinsey & Company
  2. Mudança no desenho e na execução dos ensaios – Modelos adaptativos, ensaios “seamless” (fase II/III integradas), e outras abordagens não tradicionais estão ganhando espaço. McKinsey & Company
  3. Globalização e diversificação de localizações de ensaios – A participação de regiões como Ásia-Pacífico está aumentando (por exemplo, de 13 % em 2008 para 25 % em 2023 nos ensaios fase III globais) McKinsey & Company
  4. Tecnologia e análise de dados – Inteligência artificial (IA), aprendizagem de máquina, gen AI, integração de dados de “real-world evidence” e wearables estão sendo incorporados para tornar ensaios mais eficientes. McKinsey & Company

Para quem atua na regulação ou no desenho de ensaios, isso significa que não basta apenas cumprir requisitos tradicionais: é preciso antecipar uma mudança de paradigma.

Visão 2035: um “Blueprint” para o futuro dos ensaios

O relatório apresenta uma “metodologia” composta por quatro pilares e três habilitadores (enablers) que, combinados, permitirão atingir a meta de “meio tempo / duplo alcance”.

Os quatro pilares

  1. Ensaios como parte de uma experiência de cuidado contínuo
    • O ensaio clínico deixa de estar desconectado do “cuidados normais” e passa a integrar o local onde o paciente já recebe tratamento. Por exemplo, hoje apenas ~10 % dos pacientes com esquizofrenia nos EUA podem participar de um ensaio no mesmo local onde recebem tratamento. McKinsey & Company
    • Redução da carga logística para o paciente (viagens longas, deslocamentos, mudanças de clínica) torna-se fator crítico.
    • Uso de tecnologias de monitoramento remoto, telemedicina, cuidados domiciliares.
  1. Implicação regulatória: permitirá revisitar como o consentimento, os dados de e-prova, e os requisitos de monitoramento remoto são estruturados nos regulamentos nacionais e internacionais.
  2. Ecossistemas de ensaios diversificados e escaláveis
    • Ampliação das redes de investigação além dos grandes centros acadêmicos: hospitais regionais, clínicas comunitárias, farmácias, etc. McKinsey & Company
    • Modelos “hub-and-spoke” que conectam centros de excelência a clínicas comunitárias.
  1. Para regulatórios: exige pensar em como os requisitos de qualificação de local, monitoramento, conformidade com GCP (Boas Práticas Clínicas) e supervisão são aplicados nesses ambientes “menos tradicionais”.
  2. Parcerias estratégicas entre patrocinador (sponsor) e centros de investigação (sites)
    • Em vez de relação transacional (ativar local para um ensaio e depois “desistir”), há foco em parcerias de longo prazo, baseadas em dados de performance e confiança. McKinsey & Company
    • Uso de analytics para selecionar sites de alta performance e para prever desempenho de novos sites.
  1. Regulação/operacional: Implica considerar como contratos, remuneração, governança e compliance serão alinhados ao longo prazo, e como os reguladores podem valorizar esse tipo de parceria.
  2. Design de ensaios com inovação intrínseca
    • Uso frequente de designs não-padrão (por ex., adaptativos, “basket”, “umbrella”, “platform trials”, digital twins) não só na oncologia, mas em outras terapias também. McKinsey & Company
    • Seleção de endpoints, critérios de inclusão/exclusão, e uso de dados do mundo real (real-world data) se tornam mais sofisticados.
  1. Vista regulatória: aumenta a necessidade de diálogo com as autoridades para adoção de designs inovadores, validação de endpoints e evidência de suporte de real-world data.

Os três habilitadores

  1. Modelo operacional de operações clínicas “fit-for-portfolio”
    • Dependendo se se trata de doença rara ou de doença crônica, o modelo operacional varia (número de pacientes, dispersão geográfica, tipo de site, etc.). McKinsey & Company
    • Implica que organizações de pesquisa precisam estruturar múltiplos modelos operacionais para diferentes tipos de ensaios.
  1. Motor de decisão baseado em IA e tecnologia
    • IA para seleção de site, previsão de recrutamento, avaliação de risco, suporte ao paciente e site. McKinsey & Company
    • Arquitetura tecnológica integrada capaz de ingerir dados provenientes de múltiplas fontes (ensaios, real-world, wearables, etc.).
  1. Aspecto regulatório: segurança, integridade, rastreabilidade de dados, validação de algoritmos, conformidade com legislação de dados pessoais.
  2. Talento atualizado, centrado no cliente/paciente
    • Profissionais de operações clínicas precisarão de competências analíticas, relacionamento com sites/pacientes, engajamento, uso de dados. McKinsey & Company
    • Modelos de monitoramento remoto e descentralizado implicam mudança nas funções tradicionais de CRA (Clinical Research Associate), por ex. supervisionar múltiplos sites via centralização.
  1. Para a regulação: a qualificação e a supervisão desses novos perfis e das funções descentralizadas devem estar contempladas nas normas e nos processos de qualificação de pessoal.

Desafios e implicações regulatórias

Para que essa visão se torne realidade até 2035, há uma série de desafios — muitos deles regulatórios — que merecem atenção:

  • Equilíbrio entre velocidade, qualidade e segurança: A meta de reduzir prazos em até metade coloca pressão sobre manutenção de qualidade, integridade de dados e segurança do paciente. Reguladores precisarão adaptar-se para aprovar designs inovadores e utilização de dados não tradicionais.
  • Inclusão e diversidade de pacientes: Ensaios mais acessíveis implicam maior representatividade geográfica e demográfica. Reguladores e patrocinadores devem garantir que a equidade seja considerada.
  • Novos modelos de local e monitoramento remoto: Locais de investigação fora dos grandes centros e a descentralização exigem adaptação nas inspeções, qualificação de sites, treinamento remoto, auditorias.
  • Dados e IA: Reguladores terão de lidar com validação de algoritmos, transparência de IA, privacidade de dados, cibersegurança e interoperabilidade de sistemas.
  • Harmonização global: Como os ensaios se espalham globalmente, com mais locais em países em desenvolvimento ou regionais, há necessidade de convergência regulatória, redução de barreiras transfronteiriças, e adaptação de requisitos locais à nova realidade operacional.
  • Mudança de mentalidade operacional: Patrocinadores, investigadores, reguladores e prestadores de serviços precisarão adotar uma mentalidade de “parceiros de longo prazo” e foco no paciente, em vez de um modelo de apenas “ensaios como transações”.

Como aplicar hoje — recomendações práticas

Para equipes regulatórias, quality assurance ou operações clínicas que desejam se preparar para este futuro, seguem algumas ações práticas:

  • Realizar mapa de maturidade da operação clínica atual: quais modelos de site (tradicional vs descentralizado) usamos? Qual nosso desempenho histórico de recrutamento, retenção, custos?
  • Avaliar desenho de ensaio: explorar se podem ser adotados elementos adaptativos, master protocols, uso de dados de mundo real, monitoramento remoto.
  • Reexaminar a estratégia de seleção e parceria de sites: começar a construir relacionamentos de longo prazo com redes ou “hub-and-spoke” de investigação, e usar analytics para identificar bons sites.
  • Investir em tecnologia e dados: criar ou reforçar plataforma para ingestão e análise de dados de ensaios, real-world data, IA para previsão de recrutamento/performance de site.
  • Capacitar o talento: treinar equipes em habilidades analíticas, uso de IA, engajamento de pacientes e sites, monitoramento remoto e descentralizado.
  • Interagir com reguladores e entidades de ética: antecipar conversas sobre designs inovadores, descentralização, uso de wearables e real-world data, para alinhar expectativas regulatórias.
  • Focar no paciente e na experiência: entender barreiras de participação (logísticas, culturais, socioeconômicas) e desenhar ensaios que reduzam a carga do paciente — isso contribui para recrutamento mais rápido e melhor retenção.

Conclusão

O relatório da McKinsey propõe uma visão transformadora para a entrega de ensaios clínicos até 2035: ensaios mais rápidos, mais acessíveis, com melhor experiência para pacientes e menores custos para patrocinadores. Essa revolução será possível pela combinação de quatro pilares (experiência integrada ao cuidado, ecossistemas diversificados, parcerias estratégicas, desenho inovador) apoiados por três habilitadores (modelo operacional portfolio-fit, IA/tecnologia, talento centrado no paciente).

Para quem trabalha com regulação, pesquisa clínica ou operações, isso significa antecipar mudanças substanciais: novos desenhos de ensaios, novas localizações, tecnologia mais profunda, novas competências humanas e maior interação com reguladores. O prazo até 2035 pode parecer distante — mas muitas mudanças precisam começar agora.

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