Regulatório de Pesquisa Clínica

TCLE Eletrônico: Avanços, Normas e Boas Práticas na Pesquisa Clínica

O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) é um documento fundamental na pesquisa com seres humanos: ele assegura que o participante seja previamente informado — de forma clara, completa e compreensível — dos objetivos, procedimentos, riscos, benefícios, direitos e responsabilidades da pesquisa, antes de manifestar sua concordância para participar.

Com o avanço da tecnologia e a difusão de práticas remotas, surgiu o conceito de TCLE eletrônico (ou e‑TCLE / e‑consent), que utiliza meios digitais para realizar todo ou parte do processo de consentimento, desde a apresentação das informações até a assinatura digital.

No Brasil, esse formato ganhou regulamentação específica por meio do Ofício Circular nº 23/2022 da CONEP/CNS/MS, que orienta os Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) e pesquisadores quanto ao uso de consentimento e assentimento eletrônico para participantes de pesquisa e de biobancos.

A tendência também está presente em diretrizes internacionais, como no ICH GCP E6(R3), que incentiva o uso de tecnologias e inovação nas práticas de pesquisa clínica (em especial no consentimento eletrônico). Este artigo explora os fundamentos, vantagens, desafios, boas práticas e aspectos regulatórios do TCLE eletrônico.

Por que usar o TCLE Eletrônico?

Vantagens

  • Maior acessibilidade e flexibilidade — permite participação remota sem necessidade de comparecimento presencial.
  • Uso de mídias enriquecidas — vídeos, áudios, animações e ilustrações interativas que reforçam a compreensão.
  • Rastreabilidade e registro de logs — grava quem, quando e como o termo foi acessado/assinado, com trilhas de auditoria.
  • Redução de papel e logística — facilita o armazenamento seguro e a gestão documental.
  • Adaptação a sistemas híbridos — pode combinar etapas presenciais e remotas conforme a necessidade.

Precauções e riscos

  • Segurança tecnológica: o sistema deve garantir autenticidade, integridade, confidencialidade e rastreabilidade.
  • Risco de exclusão digital para pessoas com menor letramento digital ou conectividade limitada — oferecer alternativa em papel.
  • Garantia de interação humana: prever canais para dúvidas em tempo real (telefone, chat, videochamada).
  • Responsabilidade ética: a modalidade eletrônica deve ser previamente aprovada pelo CEP.

Panorama regulatório no Brasil

O Ofício Circular nº 23/2022 da CONEP/CNS/MS é central para a normatização do e‑TCLE. Entre os pontos-chave estão:

 

  • Definição de assinatura eletrônica como etapa final do processo de consentimento/assentimento em meio eletrônico.
  • Justificativa no protocolo para adoção do formato eletrônico, com benefícios esperados e riscos do ambiente virtual.
  • Exigência de mecanismos de segurança (por exemplo, autenticação robusta, criptografia, controle de acesso e trilhas de auditoria).
  • Possibilidade de uso complementar ou substitutivo ao papel, desde que aprovado pelo CEP e apropriado ao contexto da pesquisa.
  • O participante deve ter oportunidade de discutir as informações com a equipe antes da formalização do consentimento.
  • Não são aceitáveis somente “fotos de assinaturas” ou botões simples como “Aceito participar” sem meios seguros de identificação.

A Lei nº 14.874/2024 (novo marco regulatório da pesquisa com seres humanos) e a RDC nº 945/2024 da Anvisa reforçam a necessidade de conformidade com boas práticas e governança dos ensaios clínicos. Embora não detalhem o e‑consent, estabelecem diretrizes gerais que se articulam com o uso responsável de tecnologias no processo de consentimento.

Alinhamento com ICH GCP E6(R3)

A versão E6(R3) reconhece explicitamente o uso de meios eletrônicos para obtenção de consentimento:

 

  • Permite consentimento escrito ou eletrônico, conforme requisitos regulatórios e princípios éticos aplicáveis.
  • Recomenda adaptar as tecnologias ao contexto e às características dos participantes.
  • Prevê consentimento remoto com apoio de videoconferência, telefone e outras mídias para explicar e interagir.
  • Exige aprovação ética (IRB/IEC; no Brasil, CEP/CONEP) e documentação do processo, independentemente do meio.
  • Adota abordagem proporcional ao risco: os controles tecnológicos devem ser compatíveis com o risco do estudo.

Boas práticas para implementação do e‑TCLE

  1. Justificação no protocolo: apresente benefícios e riscos do formato eletrônico e como serão mitigados.
  2. Submissão ética prévia: envie fluxos, ferramentas e materiais (inclusive multimídia) ao CEP para aprovação.
  3. Segurança do sistema: autenticação forte, criptografia, controle de acesso, integridade do documento e logs auditáveis.
  4. Mídias e interatividade: use vídeos, áudios e quizzes para reforçar compreensão.
  5. Canais de contato: disponibilize chat, telefone ou vídeo para esclarecimentos em tempo real.
  6. Alternativa em papel: evite exclusão digital oferecendo opção não eletrônica.
  7. Registro no documento fonte: registre data/hora, método de assinatura e principais metadados do consentimento.
  8. Treinamento da equipe: capacite usuários para uso correto da plataforma e resposta a dúvidas.
  9. Testes e validação: realize pilotos para checar usabilidade, estabilidade e segurança.
  10. Monitoramento e auditoria: inclua revisões periódicas e inspeções técnicas no plano de monitoria.

Desafios práticos e éticos

  • Desigualdade de acesso digital e letramento tecnológico.
  • Resistência institucional de alguns CEPs ou revisores.
  • Custos para desenvolvimento, validação e manutenção de plataformas seguras.
  • Confiança do participante, sobretudo em públicos menos familiarizados com tecnologia.
  • Exigências adicionais de proteção de dados (por exemplo, LGPD).

Exemplo de fluxo sugerido (modelo simplificado)

  1. Envio de link seguro ao participante (e‑mail/mensagem criptografada).
  2. Acesso mediante login/identificação segura.
  3. Apresentação do TCLE com textos, vídeos e animações; possibilidade de pausar/retornar.
  4. Checagens de compreensão (quizzes) opcionais.
  5. Contato em tempo real com a equipe para dúvidas (chat, vídeo, telefone).
  6. Assinatura eletrônica (preferencialmente certificado digital ou método seguro equivalente).
  7. Entrega automática de cópia do termo ao participante (PDF).
  8. Registro de logs e anotação no documento fonte (data/hora, método, versão do termo).

Conclusão

O TCLE eletrônico representa um avanço importante para a condução ética e moderna das pesquisas com seres humanos no Brasil. Ele amplia inclusão, flexibilidade e transparência, alinhando‑se às diretrizes internacionais (ICH GCP E6[R3]). Para sua aceitação, a implementação deve ser cuidadosamente planejada, aprovada eticamente e sustentada por controles tecnológicos robustos, com suporte real ao participante e mitigação de riscos de exclusão digital.

Referências

Ofício Circular nº 23/2022 — CONEP/CNS/MS 

ICH Guideline for Good Clinical Practice E6(R3) 

ClinRegs – Brazil (NIAID/NIH) 

RDC nº 945/2024 – Atualizações regulatórias (artigo de análise) 

Virtual consent and the use of electronic informed consent form in clinical research in Brazil 



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