Regulatório de Pesquisa Clínica

Acesso pós-estudo ao medicamento experimental: o que diz a pesquisa clínica?

O desenvolvimento de um novo medicamento envolve anos de pesquisa, testes rigorosos e, sobretudo, a participação voluntária de pessoas em estudos clínicos. Mas o que acontece com esses participantes quando o estudo termina? Eles continuam recebendo o tratamento que ajudaram a testar?

Essa pergunta nos leva a um tema essencial e sensível da ética em pesquisa: o acesso pós-estudo ao medicamento experimental.

O que é o acesso pós-estudo?

O acesso pós-estudo, também chamado de continuidade do tratamento, é a disponibilização do medicamento experimental para o participante mesmo após o encerramento do ensaio clínico, especialmente nos casos em que ele obteve benefício comprovado durante o estudo e não há alternativa terapêutica equivalente disponível.

Esse acesso é uma forma de proteger o participante de riscos decorrentes da interrupção abrupta do tratamento e reconhecer sua contribuição para o avanço da ciência.

Por que isso é importante?

Imagine uma pessoa com uma doença grave ou rara que participa de um estudo clínico e responde bem ao tratamento experimental. Se o estudo termina e ela não tem mais acesso ao medicamento, pode haver prejuízo direto à sua saúde.

Além disso, a falta de acesso pode gerar insegurança e desconfiança quanto à ética da pesquisa, principalmente em populações mais vulneráveis.

O que diz a legislação no Brasil?

A Resolução RDC nº 38/2013 da Anvisa trata especificamente do fornecimento de medicamento pós-estudo. Segundo o artigo 6º dessa norma, o patrocinador é responsável por garantir o acesso ao medicamento experimental aos participantes após o término do estudo quando se verificarem, cumulativamente, os seguintes critérios:

  1. Necessidade médica comprovada

  2. Benefício clínico demonstrado durante o estudo

  3. Ausência de alternativa terapêutica satisfatória no mercado nacional

  4. Avaliação médica que justifique a continuidade

  5. Decisão documentada e justificada pelo investigador e patrocinador

O fornecimento deve continuar enquanto persistir a necessidade clínica, salvo se a Anvisa autorizar outra conduta.

E o Comitê de Ética?

Os Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) e a CONEP também avaliam essa questão. A continuidade do tratamento deve estar prevista no protocolo de pesquisa e no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), deixando claro ao participante em que condições ele poderá continuar recebendo o medicamento.

Há limitações ou exceções?

Sim. A nova Lei da Pesquisa Clínica (Lei nº 14.874/2024) estabelece que o fornecimento gratuito do medicamento experimental no pós-estudo pode ser interrompido, desde que haja justificativa documentada e submetida ao Comitê de Ética (CEP), nas seguintes situações:

  • Decisão do participante de interromper o uso, ou, se ele não puder expressar sua vontade, conforme critérios legais específicos.

  • Cura da doença ou aparecimento de uma alternativa terapêutica satisfatória, devidamente registrada no Brasil.

  • Ausência de benefício clínico com o uso continuado do medicamento, considerando a relação risco-benefício fora do contexto do estudo.

  • Ocorrência de reações adversas que, a critério do pesquisador, inviabilizem a continuidade do tratamento.

  • Impossibilidade técnica ou de segurança para obter ou fabricar o medicamento, desde que o patrocinador ofereça uma alternativa equivalente ou superior.

  • Cinco anos após a entrada comercial do medicamento no Brasil, o fornecimento gratuito pode ser encerrado.

  • Disponibilidade do medicamento no SUS, tornando desnecessário o fornecimento especial.

Essas condições reforçam que, embora o acesso pós-estudo seja um direito ético, sua continuidade depende de critérios clínicos, regulatórios e de viabilidade técnica, sempre com supervisão ética adequada.

Um direito ético, não um benefício opcional

A continuidade do acesso ao medicamento após o estudo não deve ser vista como um “bônus”, mas como uma responsabilidade ética de todos os envolvidos na pesquisa clínica – patrocinadores, pesquisadores e reguladores.

Essa prática reforça o compromisso com os direitos dos participantes, valorizando sua contribuição para o avanço da medicina e garantindo que a ciência caminhe lado a lado com a equidade e o cuidado.

 

Inscrever-se
Notificar de
guest
0 Comentários
mais antigos
mais recentes Mais votado
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários
Regulatório de Pesquisa Clínica
Privacy Overview

This website uses cookies so that we can provide you with the best user experience possible. Cookie information is stored in your browser and performs functions such as recognising you when you return to our website and helping our team to understand which sections of the website you find most interesting and useful.