
Ensaios clínicos com radiofármacos: há diferenças nas submissões regulatórias?
Os ensaios clínicos com radiofármacos têm ganhado destaque nos últimos anos, especialmente nas áreas de oncologia, neurologia e cardiologia. No entanto, quando o assunto é a submissão regulatória desses estudos à Anvisa e à CONEP, surgem dúvidas importantes: há diferenças em relação aos demais ensaios clínicos? O que muda na prática?
Neste artigo, vamos explorar as particularidades dos estudos com radiofármacos no contexto regulatório brasileiro, apontando os pontos críticos e o que os patrocinadores e centros de pesquisa devem observar.
O que são radiofármacos?
Radiofármacos são substâncias utilizadas para diagnóstico ou tratamento, que contêm um radionuclídeo (isótopo radioativo) ligado a uma molécula transportadora. São amplamente utilizados em Medicina Nuclear, como nos exames de PET-CT ou na terapia de alguns tipos de câncer, como o uso de Lutécio-177.
Por se tratarem de substâncias radioativas, seu uso envolve requisitos adicionais de segurança, controle e manipulação, o que impacta diretamente o processo regulatório de pesquisa clínica.
Sim, há diferenças: o que muda na submissão?
Ensaios clínicos com radiofármacos seguem, em sua maioria, o mesmo fluxo de submissão que qualquer outro estudo de fase clínica no Brasil. Porém, há exigências e documentos complementares que devem ser apresentados. Veja os principais pontos:
1. Análise da ANVISA: foco na segurança radiológica
A submissão para anuência da Anvisa deve conter, além dos documentos técnicos regulares, informações detalhadas sobre a radioatividade envolvida.
O Dossiê de Desenvolvimento Clínico de Medicamento (DDCM) deve contemplar dados específicos sobre o radiofármaco, como:
- tipo de radioisótopo utilizado,
- meia-vida,
- método de rotulagem,
- dose administrada,
- justificativa do uso clínico,
- e medidas de proteção radiológica.
A instituição onde o produto será utilizado deve apresentar sua licença de operação junto à CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear), comprovando que está apta a manipular substâncias radioativas.
Se o radiofármaco for importado, pode ser necessário incluir documentação adicional para obtenção de autorização especial da Anvisa, especialmente no que diz respeito ao transporte, armazenamento e controle de substâncias radioativas.
2. Parecer Ético-CONEP: atenção aos riscos adicionais
- Isso implica uma análise ética mais criteriosa e a obrigatoriedade de submissão à CONEP (e não apenas aos CEPs locais).
- Os termos de consentimento livre e esclarecido (TCLE) devem explicar com clareza os riscos da radiação, incluindo a dose total, os cuidados após o exame e, se for o caso, restrições temporárias de contato com terceiros.
3. Normas complementares
Além da Resolução CNS nº 466/12, os estudos com radiofármacos devem seguir:
- RDC nº 945/2024 (Anvisa) – Dispõe sobre os procedimentos para a condução de ensaios clínicos com medicamentos no Brasil, substituindo a RDC nº 9/2015. Essa nova resolução atualiza as diretrizes sobre submissão, avaliação e monitoramento dos estudos clínicos, incluindo aspectos específicos como DEEC, cartas de aprovação, alterações substanciais, e responsabilidades de patrocinadores e centros.
- CNEN NN 3.01 – Diretrizes de proteção radiológica.
- CNEN-NE-6.02 – Licenciamento de Instalações Radiativas
- CNEN NN 3.05 – Requisitos para serviços de Medicina Nuclear.
- Resoluções complementares da Anvisa para importação, transporte e controle de produtos radioativos, quando aplicável.
Cuidados na prática
Quem conduz ou patrocina um ensaio clínico com radiofármaco precisa se atentar a aspectos práticos que muitas vezes não se aplicam em outros tipos de estudos, como:
- Garantir que o centro tenha estrutura e licenciamento adequados para manipulação de radioisótopos.
- Planejar a logística de importação e transporte rápido, dado o tempo de meia-vida curto de muitos radiofármacos.
- Ter um físico médico ou especialista em proteção radiológica acompanhando a administração do produto e o descarte de resíduos.
Conclusão
Ensaios clínicos com radiofármacos possuem diferenças sim nas submissões regulatórias. Apesar de seguirem o fluxo padrão de submissão à Anvisa e à CONEP, exigem documentação adicional, análises técnicas específicas e medidas de segurança radiológica mais rigorosas.
O sucesso desses estudos depende não apenas de um protocolo bem elaborado, mas também do alinhamento entre patrocinador, centro de pesquisa, profissionais da área e os órgãos reguladores. Com o preparo adequado, esses ensaios podem oferecer avanços significativos no diagnóstico e tratamento de diversas doenças.